A Igreja existe para Evangelizar, essa missão, deve ser realizada por toda a comunidade daqueles que Jesus Cristo reuniu, santificou e enviou. De acordo com as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, da CNBB, o processo de evangelização tem basicamente quatro aspectos que se complementam: o serviço ao próximo em nome de Cristo; o diálogo com todos, na busca da verdade e da promoção da convivência fraterna; o anúncio explícito da Palavra de Deus; o testemunho de comunhão, como maneira de testemunhar a vida nova do Evangelho .
Portanto, evangelizar não é apenas uma função. É um ato de doação, de escuta atenta, de presença viva. Exige que a pessoa que coloca a evangelizar esteja inteira — no corpo, no espírito e também na mente[2]. Mas o que acontece quando esse missionário da fé está ferido por dentro? Quando o cansaço deixa de ser físico e passa a ser psíquico? A saúde mental dos presbíteros e padres, líderes e agentes de pastoral vem sendo desafiada em um ritmo alarmante, e isso afeta diretamente a força e a credibilidade do anúncio do Evangelho.
Inimigo invisível: cansaço da alma
A prática pastoral é, por natureza, intensa. Celebrações, confissões, aconselhamentos, visitas, reuniões, formações, aulas, planejamento de atividades pastorais, além das demandas emocionais que surgem no acompanhamento de quem sofre. São tarefas muitas vezes realizadas sem pausas, sem tempo para repouso ou para o autocuidado. Com o tempo, esse ritmo cobra um preço alto. E nem sempre se percebe que o cansaço que afeta não é só do corpo, mas da alma. A exaustão emocional, o esgotamento psicológico (burnout), quadros de ansiedade ou depressão não escolhe vocações. Instalam-se de forma silenciosa, muitas vezes, justamente onde há maior entrega e senso de responsabilidade.
O mais grave é que, muitas vezes, esse sofrimento é vivido em silêncio. Há um peso cultural e religioso que impede muitos de assumirem sua vulnerabilidade. O ideal do presbítero, coordenador, líder forte, sempre disponível, “cheio do Espírito”, se choca com a fragilidade, com a limitação humana. Isso cria um ambiente onde é mais fácil esconder a dor do que buscar ajuda. E a dor escondida, como sabemos, adoece ainda mais.
Impacto direto na missão
O processo da evangelização consiste em passos importantes, tais como: encontrar Jesus Cristo; segui-Lo no caminho; anunciá-Lo aos outros com palavras e posturas. Evangelizar não é apenas transmitir conteúdo doutrinário, mas de presença autenticas. É tocar vidas com autenticidade. É estar presente com empatia, escutar de verdade, ajudar a carregar cruzes. A Palavra de Deus, para ser eficaz, precisa de canais humanos íntegros – não perfeitos, mas saudáveis. Quando há adoecimento mental, essa capacidade de estar verdadeiramente com o outro se reduz. A escuta se torna impaciente. O conselho, mecânico. A presença, superficial.
Comunidades inteiras são impactadas quando seus líderes estão emocionalmente fragilizados. O desgaste se espalha. A evangelização perde a força quando não é sustentadas por relações humanas saudáveis e maduras. Muitas vezes, um agente pastoral ferido reproduz seu sofrimento nas relações com os fiéis, mesmo sem querer. A evangelização perde força quando não nasce de corações íntegros e cuidados.
E é preciso dizer: não se trata de perfeição. Trata-se de saúde. Ninguém está imune ao sofrimento psíquico. Mas quem está na linha de frente da missão deve ser o primeiro a compreender que evangelizar exige também equilíbrio e sanidade.
Que tipo de Comunidade queremos ser?
Falar de saúde mental dentro da Igreja ainda é, em muitos espaços, um tabu. Mas isso precisa mudar. A Igreja deve ser, acima de tudo, comunidade de cuidado. Se queremos comunidades vivas, evangelização consistente e líderes comprometidos com o Reino, precisamos criar uma cultura de apoio e acolhimento também para os que evangelizam.
Isso inclui oferecer acompanhamento psicológico, promover formações sobre autocuidado, criar redes de apoio entre os agentes pastorais. Significa também ensinar que buscar ajuda não é fraqueza, mas sinal de responsabilidade e maturidade espiritual. Afinal, cuidar-se também é um ato de amor ao próximo. Um coração saudável escuta melhor, acolhe com mais liberdade e serve com mais alegria.
A espiritualidade continua sendo um grande pilar de sustentação para quem evangeliza. Mas ela não substitui, sozinha, o cuidado psicológico necessário diante de situações de crise. Fé e psicologia não se opõem. Pelo contrário: caminham juntas.
O testemunho começa pelo cuidado
O Evangelho que anunciamos é uma boa notícia para todos — inclusive para quem o anuncia. O cuidado com a saúde emocional e mental dos evangelizadores não é um luxo ou uma moda. É uma exigência do nosso tempo. Em um mundo ferido e ansioso, líderes espirituais esgotados não conseguem responder aos desafios com profundidade.
É urgente que o cuidado com quem evangeliza seja assumido como prioridade pastoral. Que a saúde emocional e mental de padres, religiosos e líderes leigos seja tratada com a mesma seriedade que tratamos a formação teológica ou espiritual. Porque um agente de pastoral saudável inspira mais do que mil discursos. Ele é, por si só, um testemunho vivo da paz que o Evangelho oferece.
Conclusão
Evangelizar não é tarefa leve e para garantir que a luz do Evangelho continue acesa, mesmo em tempos sombrios, necessita-se mais do que boa vontade: requer saúde integral. A promoção da saúde emocional e mental na vida eclesial é uma responsabilidade pastoral, e não um adendo secundário. Não basta formar evangelizadores teologicamente competentes. É preciso que sejam também emocionalmente maduros e psicologicamente acompanhados.
A Diocese, a Paróquia e a Comunidade Eclesial que cuida de seus evangelizadores fortalece sua própria missão. Evangelizar a partir da ferida não tratada pode até gerar impacto temporário, mas evangelizar a partir da humanidade curada gera frutos duradouros. E, para isso, o cuidado com a saúde mental precisa ser assumido como prioridade pastoral – com coragem, com humildade e com urgência.
Pe. José Carlos Ferreira da Silva[1]
[1] É autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral – Editora Dialética. É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência, Cachoeiro de Itapemirim.
[2] SILVA, José Carlos Ferreira da. Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral. São Paulo: Editora Dialética, 2024.