A devolução do dízimo é um termo utilizado inadequadamente e que deve ser modificado para que haja um verdadeiro entendimento sobre esta profunda experiência comunitária.
O dízimo deveria ser a principal fonte de manutenção e sustento da Igreja, mas infelizmente essa nem sempre é a realidade, afinal, muitas paróquias passam por dificuldades financeiras, simplesmente porque a ‘devolução’ do dízimo não é trabalhado pela comunidade paroquial como deveria ser.
Mas, pode acreditar, isso é fruto de pouca ou nenhuma evangelização acerca desse tema. Sim, evangelização, porque as pessoas precisam ser despertadas para a verdadeira essência do ato da partilha do dízimo.
Vamos esclarecer isso melhor!
A devolução do dízimo na Palavra de Deus
A falta de conhecimento sobre a história e o significado do dízimo na Bíblia e na tradição da Igreja é um dos fatores que pode levar a interpretações equivocadas dessa prática.
Na Bíblia, o dízimo é a prática de devolver a Deus a décima parte dos bens recebidos. Essa prática remonta ao Antigo Testamento e era uma forma de sustentar o Templo, os sacerdotes e os levitas que dedicavam suas vidas ao serviço religioso.
No Novo Testamento, a devolução do dízimo não é explicitamente ordenado, mas a generosidade e a partilha entre os irmãos são princípios recorrentemente enfatizados por Jesus Cristo.
Além disso, Jesus também ensinou que o apego à riqueza material pode ser um obstáculo para a entrada no Reino de Deus (Mateus 19,23-24). Ele incentivou seus seguidores a buscarem um estilo de vida simples e desapegado, priorizando os valores espirituais e os bens eternos. Aliás, a parábola do rico insensato (Lucas 12,16-21) ilustra muito bem os perigos da ganância e da idolatria da riqueza em oposição à generosidade da partilha dos bens.
Dízimo: entre a obrigação e a gratidão
A partilha do dízimo é um tema que gera dúvidas e questionamentos entre os fiéis. Infelizmente, isto gera uma uma visão distorcida, como se fosse uma espécie de imposto religioso.
E há ainda aqueles que compreendem o dízimo simplesmente como uma obrigação religiosa, algo que a Igreja exige de nós, o que acaba afastando muitos da verdadeira essência da prática. E é de se espantar que alguns ainda propaguem a crença de que devemos cumprir com essa “obrigação” apenas porque senão algo de muito ruim pode acontecer.
Portanto, é urgente desmistificar essas ideias infundadas sobre a devolução do dízimo a fim de resgatar seu significado original de partilha e gratidão a Deus. E isso é fundamental para uma compreensão mais profunda e uma partilha mais assídua e generosa do dízimo. E aqui quando falamos em generosidade, não se trata do muito, mas de uma atitude generosa de amor e de fidelidade na partilha.
Superando as dificuldades
Para superar as dificuldades acerca da arrecadação do dízimo, é fundamental alguns pontos:
- Anunciar e discipular: Como já foi dito acima, a Igreja precisa investir em uma formação sólida sobre o dízimo, esclarecendo sua origem, seu verdadeiro significado e importância na vida do cristão.
- Enfatizar a gratidão: É preciso ressaltar a importância da gratidão a Deus por todas as bênçãos recebidas, as grandes e as pequenas de cada dia. E aqui vale recordar a maneira como o Catecismo da Igreja Católica define o dízimo: “Um ato de fé, de justiça, de caridade e de culto, pelo qual os fiéis reconhecem que Deus é a fonte de todos os bens e lhe agradecem pelos seus dons” (CIC 2043).
Ou seja, ao partilhar o dízimo, estamos reconhecendo a soberania de Deus sobre nossas vidas e nos colocando em uma atitude de total dependência Dele e de caridade com os irmãos necessitados e com a Igreja.
É um ato de amor e confiança, demonstrando que reconhecemos Deus como o verdadeiro dono de tudo. Não há o que devolver a Deus, nosso Deus é gratuidade. Ele não nos empresta as suas graças, por isso o dízimo não é devolvido.
- Flexibilidade e acolhimento: É necessário ter em mente também que existem aqueles que deixam de partilhar o dízimo ou que o fazem num valor que para muitos agentes e membros do clero é considerado muito baixo.
Vale destacar que a Igreja no Brasil por meio da CNBB deixa claro no documento 106 que não é determinado um valor para a prática da partilha do dízimo.
“Assim como a decisão de contribuir com o dízimo também a escolha da quantia destinada para isso é decisão de consciência, iluminada pela Palavra de Deus, sensível às necessidades da Igreja e do próximo. O Apóstolo Paulo ensina: “cada um dê conforme tiver decidido em seu coração, sem pesar nem constrangimento, pois Deus ama quem dá com alegria”.
Mas o dízimo não significa a décima parte (ou 10%)?
Ainda no DOC 106, a CNBB destaca o seguinte: “Essa quantia foi o conteúdo do voto dos patriarcas Abraão e Jacó e assim assumida na legislação do Antigo Testamento. A Igreja, porém, não estabelece como lei nenhum percentual pré-definido. São Tomás de Aquino auxilia a compreender isso fazendo uma importante distinção entre a substância do dízimo – a contribuição dos fiéis que, agradecidos, entregam parte dos seus bens – e sua forma, que é um modo de contribuir, este é definido em sintonia com o tempo e os costumes de cada lugar.”
Esforço em conjunto
O dízimo, quando compreendido como uma partilha e expressão de gratidão a Deus, torna-se um ato de fé, amor e reconhecimento da Soberania Divina. Que coisa bela!
Contudo, superar as dificuldades em sua compreensão exige um esforço em conjunto da Igreja, dos agentes da Pastoral do Dízimo e dos fiéis para que a prática do dízimo seja vivida com alegria e convicção. Para que, de fato, aconteça conforme nos orienta o apóstolo Paulo: “Dê cada um conforme o impulso do seu coração, sem tristeza nem constrangimento. Deus ama o que dá com alegria” (2 Cor 9,7).
Quando finalmente todos compreenderem que o dízimo não é uma questão de números, obrigação ou devolução, mas um gesto de profunda fé e amor a Deus, a Igreja não passará mais por dificuldades. Não será mais preciso promover festas, bingos e outros eventos para arrecadar verbas para pagar as contas.
Que essa realidade possa se concretizar em todas as dioceses!